Projeto quer aumentar a produtividade com qualificação e “o empoderamento das pessoas comuns que estão na 'viração'”, explica o professor do Insper Caio Rodriguez
O Estado brasileiro tem papel central em um projeto de desenvolvimento que Caio Farah Rodriguez, professor de Direito do Insper, define como “capitalismo popular”.
Em entrevista à CNN, ele explica que a ideia é empoderar as pessoas comuns — especialmente aquelas que vivem da "viração" —, por meio da valorização de seus serviços e da qualificação produtiva.
“A grande falha da elite é não atribuir à população o protagonismo que ela devia ter”, afirma Rodriguez.
A proposta parte da constatação de que pequenos e médios empreendedores, junto a trabalhadores informais e autônomos, são maioria na população e têm papel relevante no PIB nacional.
Para o professor, esses grupos deveriam ser o principal alvo de políticas de empoderamento econômico.
O especialista destrincha uma pesquisa elaborada pela Fundação Perseu Abramo, vinculada ao Partido dos Trabalhadores (PT), e aponta como o morador da periferia de São Paulo não adota termos como “classe trabalhadora”, “burguesia”, “direta” e “esquerda”.
Segundo o professor do Insper, o resultado do levantamento aponta para uma vontade de crescer e “batalhar” por parte dessa classe, que não aprecia ser tratada como uma “massa amorfa” incapaz, ou simplesmente como “pobres”.
Onde a nossa elite falhou?
O brasileiro, em sua maioria, tem um anseio de autonomia. A meu ver, a grande falha da elite é de não atribuir à população o protagonismo que ela devia ter.
A maioria do PIB é produzida por pequenas e médias empresas. E se juntar os informais, os autônomos e os formais em emprego precário, eles são a maioria da população.
Esses dois grupos deveriam ser os principais destinatários de medidas de empoderamento, para que pudessem, como uma coletividade, dar os saltos de produtividade de que depende o crescimento econômico.
E como convergem os esforços da elite e dos “batalhadores”?
De um lado, o modelo 100% de baixo para cima é pouco realista nas circunstâncias atuais, salvo uma revolução, que os próprios "batalhadores" não querem.
O que eles querem são instrumentos para trabalhar. E, por outro lado, depender de uma boa vontade das elites é insistir num modelo reconhecidamente fracassado.
Deveria haver algum tipo de coalizão que combinasse os batalhadores evangélicos, os pequenos produtores do agro e uma parcela da elite que tivesse um projeto produtivista para o país, ou seja, em que a sua principal fonte de lucro não fosse a aplicação financeira, mas sim o investimento na produção.
O Brasil precisa deveria mobilizar uma espécie de "Vale do Silício brasileiro"?
O Vale do Silício é um pequeno local isolado do sudoeste americano que terceiriza para a indústria convencional.
A legislação trabalhista é menos protetiva, a regulação mais fraca e a tributação, reduzida.
Certamente esse modelo, embora represente a vanguarda produtiva, não nos serve, porque o que nos interessa seria disseminar, criar várias ilhas conectadas, um arquipélago global no Brasil.
Tem que se valer de um arsenal institucional que o Brasil já tem e outros países não, usando de maneira sistemática os instrumentos que compõem.
Que instrumentos são esses?
Estou falando, por exemplo, do Sebrae, Senac, dos bancos públicos, regionais e federais, de bancos de desenvolvimento, de agentes de inclusão produtiva e agentes comunitários.
Não apenas de instrumentos estatais, mas de associações comunitárias das periferias que têm um papel de protagonismo.
O que cabe não é reinventar a roda ou criar do zero alguma coisa, mas sistematizar esses instrumentos em direção a uma mobilização de esforços de diferentes naturezas.
Onde entra o Estado?
Nesse projeto, que a gente pode chamar de "capitalismo popular", porque, no fundo, ele busca o empoderamento das pessoas comuns que estão na "viração", o Estado tem um papel essencial de mobilizar esse arsenal de entidades e recursos a ele vinculados em prol da capacitação, da qualificação e do empoderamento dessa maioria de “batalhadores”.
O Estado é uma alavanca essencial de qualquer projeto de desenvolvimento.
Veja o extensionismo agrícola, que consiste em, no campo, levar para os pequenos produtores as melhores práticas que já houvessem sido identificadas, e o papel do Estado era disseminar aquelas melhores práticas.
O que esse "capitalismo popular" pretende é uma atualização, uma renovação dessa ideia, dizendo que ela não se aplica apenas a um setor, e ela não se aplica unicamente à tecnologia, se trata de trazer práticas de produção que sejam aquelas que demandam inovação e que podem gerar ganho de produção.
Como fazer esse sistema funcionar?
Para mim, a ideia é multiplicar os agentes econômicos independentes, que podem ter acesso a diferentes instrumentos pelos quais eles vão se transformar progressivamente, mas decididamente, em uma vanguarda produtiva.
O ponto mais distante é aquele em que a gente reconhece que aquilo que, numa terminologia antiga, se chamavam os meios de produção, que são as máquinas, as fábricas, os recursos produtivos de uma certa sociedade, deveriam não estar na mão nem do Estado, nem de um pequeno grupo.
A rigor, se tem uma economia plenamente estatal, como eram as economias socialistas, privatiza os ativos num leilão típico, e quem os adquire é a elite, não está sequer criando propriedade privada, está saindo de um modelo concentrado para um outro modelo concentrado.
Ninguém deve ser dono, devem usar os recursos produtivos quem for capaz de dar a eles o melhor uso.
Em um Brasil polarizado, esse projeto atrairia quem?
Eu não saberia responder se é de esquerda ou de direita. Me parece ser um projeto que seria de interesse tanto da esquerda, porque diz respeito à melhoria das condições de vida da maioria da população; quanto de direita, porque não é um projeto de estatização de recursos produtivos.
Ao contrário, é um projeto de multiplicação dos agentes econômicos independentes. Então, nesses dois sentidos, é de interesse tanto da esquerda quanto da direita.
Dentre as ferramentas que existem hoje para apoiar o “batalhador”, além das de capacitação, os programas sociais têm valor positivo para esse "capitalismo popular"?
Os programas de transferência de renda são absolutamente essenciais. Quem diz o contrário não conhece a realidade da maioria da população. Porém, apesar de necessário, não é suficiente para esse projeto.
Dá para aumentar a demanda de uma economia transferindo renda para as pessoas. Porém, só consegue aumentar a oferta com a multiplicação de crédito e formas de acesso a práticas produtivas.
E é justamente pelo lado da oferta produtiva que o "capitalismo popular" faz sua maior aposta, pelo lado de criar as práticas produtivas que sejam disseminadas pelos "batalhadores".
Uma parte da explicação [da baixa popularidade do governo] pode estar no fato de que alguém não está escutando o que essas pessoas estão dizendo.
Elas querem um caminho para se desenvolver, e não simplesmente um benefício em que depender.
Olhando para o cenário econômico atual, o quão prático seria iniciar esse projeto?
Os equipamentos públicos estão disponíveis, só demandam a mobilização desse arsenal e a sua sistematização.
O juro alto dificulta no sentido de que os principais rentistas não têm por que participar, porque deixam o dinheiro no banco.
Mas não é um projeto para os rentistas, é um projeto para quem tem anseio de autonomia.
Um dos desafios é encontrar na elite quem tem um anseio produtivista, mas não tem esse desafio para encontrar na maioria da população esse anseio, ele já está lá.
E quem vai começar primeiro?
Um político que conseguisse juntar os batalhadores urbanos, o agro e os evangélicos, teria uma base de apoio muito relevante para a sua própria promoção e para a promoção do país via um projeto como esse.
O projeto pode começar também pelas associações comunitárias, das periferias, com exigências e com movimentação política em busca desses instrumentos.
O importante é que em algum momento houvesse uma congruência de diferentes iniciativas para que o projeto ganhasse massa crítica suficiente.
Fonte: CNN Brasil