Os elementos legítimos e problemáticos nos embates entre EUA e Brasil
É legítimo um país revogar visto de autoridade de Suprema Corte que emite ordem de censura contra seus cidadãos e empresas, contornando o devido processo legal.
A autoridade censora deveria se desculpar com o país, especificamente, sobre esse ponto, que viola a sua soberania.
Ou, se as inovações tecnológicas dos ambientes virtuais rendem interpretações diversas sobre os limites da jurisdição judicial, que as questões controversas sejam reconhecidas e discutidas civilizada e diplomaticamente, sem afetação de onipotência transnacional.
Já misturar a alegação legítima do governo estrangeiro para a sanção individual com a pressão política e comercial feita por ele contra a provável condenação de um ex-presidente, com voto favorável da própria autoridade punida, contamina o ato de revogação, porque embute nele a mesma afetação de onipotência transnacional que se pretende combater.
Neste sentido, a extensão da revogação a aliados e familiares, a despeito da retaguarda oferecida pelos primeiros a decisões consideradas arbitrárias, também se confunde com a vontade de retaliar julgadores propensos a condenar o aliado do governo estrangeiro.
A via constitucional para a contenção dos abusos de autoridades da Suprema Corte, se entendidos como tais, é o Senado Federal do próprio país, onde se encontram os senadores eleitos pelo povo – inclusive, no caso atualmente em debate, o filho mais velho do ex-presidente réu, tendo ambos, curiosamente, atuado contra a referida contenção na raiz, quando esse filho dependia de decisões daquelas autoridades.
Negociações comerciais são da natureza da diplomacia e cada lado adota suas estratégias para obter a maior vantagem possível, embora, eventualmente, presidentes personalistas tornem as hostilidades entre si obstáculos para a bonança de ambos os povos.
Nenhum país, no entanto, deve admitir violações à sua soberania, seja submetendo seus cidadãos e empresas à censura imposta pelo Poder Judiciário alheio, seja submetendo o próprio Poder Judiciário à chantagem de um governo estrangeiro.
Se assim for, bastará a qualquer réu ser aliado de líder de potência estrangeira para reivindicar a retaliação contra seus julgadores, o que, até para muitos que hoje defendem a submissão, seria abominável se o réu fosse um rival.
Os inconformados que jamais lutaram para que houvesse meios de conter os abusos dos quais reclamam sempre apelam, no desespero, a medidas drásticas, por interesse próprio.
Eles exploram a esperança no triunfo repentino, na vitória redentora dos distúrbios que causaram, na vingança lavadora da alma dos aflitos, enquanto acusam de traição todos que apontaram o abismo, cavado por seus pés.
Fonte: O Antagonista