Transformaram o eleitor, outrora apático politicamente, em um eleitor mediocremente politizado e hiperengajado nas plataformas digitais.
Até a virada do século, a política brasileira era discutida em um ambiente de comunicação lenta e informação restrita.
Televisão, rádio e jornais impressos eram os únicos canais de divulgação em massa, controlados por poucos grupos empresariais e com prazos longos de produção e distribuição.
A agenda política era filtrada por redações e editorias, e o acesso do cidadão a dados e documentos dependia de deslocamento físico de jornalistas às fontes e dos próprios consumidores às bancas de jornais e locais públicos com televisão e rádio disponíveis – sempre com mediação editorial.
O êxodo rural, especialmente entre 1960 e 1980, foi transformador.
Cerca de 27 milhões de pessoas migraram do campo para as cidades, e a parcela urbana saltou de 44 % em 1970 para 66 % em 1980, o que redesenhou o perfil do eleitorado, reunindo baixa escolaridade e pobreza em periferias.
Mudou, mas não melhorou
Tal fato criou um eleitorado numeroso, porém com crítica limitada, sendo mais espectadores que participantes.
Com o passar dos anos, contudo, o brasileiro médio saiu da apatia política para a militância.
E depois, com o advento da internet e a massificação das redes sociais, um novo salto.
Não foi súbito interesse político, mas um combo de conectividade farta e relativamente barata, plataformas digitais que premiam o conflito, crise social e econômica prolongada e instituições que demoraram a entender o novo terreno – e quando entenderam, fizeram quase tudo errado.
O primeiro salto de conectividade se deu a partir da segunda metade dos anos 2000 e não parou mais.
Em 2023, cerca de 80% dos domicílios brasileiros tinham internet e igual número da população – com mais de 10 anos – declarou ter usado a rede nos três meses anteriores, segundo o IBGE.
Onipresença digital
Hoje, mensagens e redes sociais viraram infraestrutura de comunicação cotidiana (mais de 90% enviam mensagens e mais de 80% usam redes cotidianamente).
Isso mudou o ecossistema político: sem mediação, com velocidade e pouca fricção. Mas essa nova arena política não começou à toa.
A minirreforma eleitoral de 2009 permitiu propaganda na internet. O país “digitalizou” a campanha sem ter redes maduras, regras claras e “alfabetização digital”.
Com o estresse social, político e econômico – pobreza, recessão e corrupção – o ressentimento e a frustração política floresceram.
O ciclo eleitoral se estreitou e se radicalizou. Em 2014, Dilma venceu por margem mínima e foi por isso contestada por Aécio Neves.
Em 2018, após o impeachment da petista e o término melancólico do governo Temer, Bolsonaro bateu Haddad – apoiado por Lula dentro da cadeia.
Foi só piorando
Com a reviravolta de ocasião do Supremo, em 2022, Lula levou com 50,90% contra 49,10% de Bolsonaro.
Disputa de meio ponto em um país continental é um convite à teoria da fraude e à política de confronto permanente.
E em meio a isso, as plataformas turbinaram comunidades fechadas e distribuição opaca.
Em 2018, por exemplo, houve disparos em massa no WhatsApp financiados por empresas – um atalho para industrializar a propaganda e a desinformação, como vimos durante a covid e nas últimas eleições presidenciais novamente.
A Justiça eleitoral, e mesmo a “comum”, levaram anos para compreender e tentar responder.
A reação institucional tardia veio aos “trancos e barrancos”. O Legislativo patinou e o Judiciário ocupou espaço.
O ponto de ruptura chegou com o 8 de janeiro de 2023: violência política e depredações ao vivo, alimentadas por meses de campanha digital bolsonarista contra o sistema eleitoral e o próprio lulopetismo.
Extremistas no comando
A anatomia da polarização política – bolsonarismo x esquerda (jamais confundir direita com bolsonarismo) – é clara.
Nas redes e nas ruas, sobram tribalismo, linchamento, desmoralização do adversário etc.
com uma intensidade e persistência inéditas e cada vez mais espantosas.
O desequilíbrio emocional generalizado empurra o chamado centro político ou para o distanciamento ou para a irrelevância, e transforma a política em briga de torcida organizada.
O analfabetismo funcional e a baixa escolaridade, combinados com internet quase universal, é terreno fértil.
Políticos profissionais e líderes populistas autoritários não apenas não trabalham em direção ao distensionamento social como reforçam a agressividade e a desinformação através de vídeos virais e discursos eleitoreiros cheios de ódio, rancor e estímulo ao confronto e à aniquilação do adversário.
Finalmente, 2026
Assim, transformaram – e continuam transformando – o eleitor, outrora apático politicamente, em um eleitor mediocremente politizado e hiperengajado no jogo das plataformas digitais.
Formaram-se identidades antagônicas, virulentas e excludentes. Se nada disso melhorar, as próximas ondas de radicalização virão mais rápidas e violentas.
O Brasil padece de educação formal, todos nós sabemos. A consequente falta de educação política, portanto, não chega a surpreender.
Se a primeira impede o progresso e o desenvolvimento social e econômico, a segunda fomenta um ambiente bélico e favorece a cisão da sociedade. Em conjunto, temos uma combinação praticamente mortal.
Como “fora da política” não há solução, ao menos neste momento – e sem viés de melhora – estamos condenados à paralisia.
A nação precisa desobstruir tais gargalos se pretende evoluir nas eleições do ano que vem.
E leia-se “nação” a sociedade civil, porque os atuais responsáveis farão o possível para manter tudo exatamente como está.
Fonte: O Antagonista